*Pastiche do conto "Flor Anônima", de Machado de Assis. |
BASTAVAM bater às três
horas da tarde, Martinha se retirava para sua cesta. Embora não fosse costume
dessa jovem-senhora que ainda espera por um bom casamento, naquele domingo,
comera feito de peão. Não teve
outro destino, por conta da dificultosa digestão, sonhou sonho terrível. A boa
menina sonhara com uma rainha morta que repousava em seu trono o qual também
era leito. A nobre vestia roupas rubras com acabamento em ouro. Sua pele era
pálida e fria. Couraça rígida, parecia aprisionar o próprio espectro na
epiderme que permanecia, tranquila e repousada. Era como uma lua protegida pelo
sol. Contudo, sua psique resvalava pela vértebra e encontrara o chão em
negrume. A fim de buscar a mansão dos justos, iniciara a dança fúnebre, ao
ritmo de suntuosa sinfonia, sem, no entanto, encontrar arribada que não fosse a
sangrenta sombra da face do castigo. A monarca sentia-se perdida e açoitada com
o impedimento do empíreo, até ouvir o conservador mexerico do antigo servo:
“ela era A Rainha de Gelo!”, ousara o fâmulo. Em desespero, a torta alma
decidira-se por retomar o corpo vazio e, como quem pega um bonde a andar, tomou
a consciência de Martinha fazendo-a acordar em um espasmo e momentânea perca de
vistas, dando-lhe a reveladora consciência de que haveria de mudar de conduta
para não sofrer o castigo da soberana. Pobre Martinha, nunca se reconhecera má,
mas aquele sonho haveria de ter um grande significado. Ficou-lhe o aviso.
Entrementes, ela viu os anos se passarem e a espera por um bom, ou mesmo
qualquer casamento, aos poucos, cansara-se do tempo. “O que fizeste da tua
vida, Martha?”, indagava-se aflita. De repente, Martinha desperta novamente em
espasmo, porém , desta vez, aliviando-se ao perceber que ainda contava vinte e
cinco anos, entretanto, com o frescor de uma jovem debutante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário