sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

ESPASMO DE UM SONHO FRIO

Esposa de Machado de Assis
*Pastiche do conto "Flor Anônima", de Machado de Assis.
BASTAVAM bater às três horas da tarde, Martinha se retirava para sua cesta. Embora não fosse costume dessa jovem-senhora que ainda espera por um bom casamento, naquele domingo, comera feito de peão. Não teve outro destino, por conta da dificultosa digestão, sonhou sonho terrível. A boa menina sonhara com uma rainha morta que repousava em seu trono o qual também era leito. A nobre vestia roupas rubras com acabamento em ouro. Sua pele era pálida e fria. Couraça rígida, parecia aprisionar o próprio espectro na epiderme que permanecia, tranquila e repousada. Era como uma lua protegida pelo sol. Contudo, sua psique resvalava pela vértebra e encontrara o chão em negrume. A fim de buscar a mansão dos justos, iniciara a dança fúnebre, ao ritmo de suntuosa sinfonia, sem, no entanto, encontrar arribada que não fosse a sangrenta sombra da face do castigo. A monarca sentia-se perdida e açoitada com o impedimento do empíreo, até ouvir o conservador mexerico do antigo servo: “ela era A Rainha de Gelo!”, ousara o fâmulo. Em desespero, a torta alma decidira-se por retomar o corpo vazio e, como quem pega um bonde a andar, tomou a consciência de Martinha fazendo-a acordar em um espasmo e momentânea perca de vistas, dando-lhe a reveladora consciência de que haveria de mudar de conduta para não sofrer o castigo da soberana. Pobre Martinha, nunca se reconhecera má, mas aquele sonho haveria de ter um grande significado. Ficou-lhe o aviso. Entrementes, ela viu os anos se passarem e a espera por um bom, ou mesmo qualquer casamento, aos poucos, cansara-se do tempo. “O que fizeste da tua vida, Martha?”, indagava-se aflita. De repente, Martinha desperta novamente em espasmo, porém , desta vez, aliviando-se ao perceber que ainda contava vinte e cinco anos, entretanto, com o frescor de uma jovem debutante.


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