terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O CÍRCULO

A PÁGINA em branco fora, certamente, a maior prova de que ela estivera por aqui e refletira muito bem as palavras que não foram escritas. Karina era o tipo de mulher maldita. A mulher que aos olhos de todos teria um destino terrível, entretanto, nada que a doçura dos seus lábios não fizessem parecer valer a pena o infortúnio. Fora um pouco desastrosa a minha investida, não conseguira disfarçar o meu olhar indiscreto, ou fizera do meu desejo uma denúncia dos meus sintomas de nervosismo. Nem mesmo tivera avistado-a, completamente, já era senhora de meu coração. Karina estava deslumbrante em seu salto agulha e maquiagem a la femme fatale. Seu penteado era, de longe, o mais belo da noite. Buscara agradar a si, não somente aos outros. Sua aparência superava a minha em todos os detalhes. Suas bochechas eram tão rubras quanto o vinho que bebera aquela noite. Estava quieta e risonha, ria para todos, ria para ela mesma. Enquanto vestia-se esguia em um justo vestido vermelho, eu não possuía mais que alguns grampos mal-colocados, na cabeça e um vestido barato, comprado em uma loja qualquer de departamento.      
            Segui-a, seguia-a como uma maníaca, já me sentia íntima de seu lar sem sequer ter sido convidada uma só vez para adentrá-lo.  Em pouco tempo, ela não apenas demonstrou-se incomodada e invadida com a minha presença, como não mais disfarçara que houvera notado, há tempos, minha constante presença. Decidi afastar-me. Mas ela estava ali, parada, em vestes provocantes e com olhos famintos. 
Definitivamente, o jogo havia virado, Karina estava em minha rua, em minha casa, em minha mesa, em minha xícara. Não saía de minha retina. De repente, o instinto mais primitivo havia me tomado. Seu perfume com notas de armadilha estava impregnada na minha mente. Sentia-me como uma presa vulnerável.  Arrancou-me às ligas, domara-me por completo. Doce e perversa, deu-me um afago e deixara a chave embaixo do tapete. Meu apartamento estava todo revirado, minhas porcelanas quebradas, meus discos arranhados, minhas roupas na varanda. A única coisa que estava intacta era a minha escrivaninha com um recado de folhas sem tinta. A página em branco fora, certamente, a maior prova de que ela estivera por aqui e refletira muito bem as palavras que não foram escritas. Dir-me-ia, mais tarde, com uma taça de vinho em uma mão e um revolver em outra, porque decidira dar cabo à vida de ambas. 

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